8 de julho de 2012

A Economia do Dom












Por Adrian Rupp

Introdução

É comum a ideia de que o capitalismo é um sistema econômico ruim, mas é o menos pior. Quando o capitalismo é questionado somos sempre lembrados do comunismo da União Soviética, a falta de liberdade e pobreza. Porém o leque de sistemas econômicos alternativos é bem mais amplo.
Para citar um exemplo bem conhecido temos o escambo. 
Para citar um exemplo pouco conhecido 
temos o que vou chamar aqui de 'economia código aberto':
É o mundo da Wikipédia, Linux, hardware livre, etc. Várias pessoas pelo mundo criando, desenvolvendo, produtos e serviços de forma coletiva, e ofertando de modo gratuito, principalmente pela Internet.
Penso nisso como sistema econômico pois vejo que poderia continuar independente do capitalismo, mesmo que hoje esteja tão ligado à ele.
Mas o tema aqui será outro fascinante sistema econômico, provavelmente o mais antigo e duradouro que a humanidade já utilizou: A economia do dom.


O que é a economia do dom?

Imaginemos que minha comunidade tem um excedente de laranjas. Vamos visitar uma comunidade onde acreditamos que não há laranjas e levamos parte deste excedente conosco. Chegando lá, oferecemos as laranjas gratuitamente e elas são aceitas. Quando vamos embora a comunidade nos oferece parte do seu excedente de cebolas gratuitamente que é aceito.
Ocorreu neste exemplo uma troca econômica, porém de forma muito mais livre, sem exigência de contrapartida, sem perda de energia tentando garantir uma troca vantajosa.
Esta é a economia do dom. Os bens e serviços são simplesmente doados. A contrapartida vem, de alguma forma, algum dia, enquanto existir o desejo de retribuir. O presente pode tanto ser algo interessante para o outro, quanto algo que o outro esteja precisando para sobreviver.


Por que funciona?

Em primeiro lugar pelo desejo das pessoas de retribuir o que elas recebem de bom. 
Podemos citar o prazer de doar, que também está presente na caridade, mas  o que
define mais a economia do dom são as demonstrações de gratidão.

Enfim, funciona porque existe no ser humano o sentimento de gratidão.

Também podemos dizer que funciona pela cooperação que produz: Doando e retribuindo torno meus parceiros mais fortes, criando um circulo virtuoso de abundancia. Todos, comunidades e indivíduos, passam por crises econômicas em algum momento. Quem tem mais parceiros tende a sobreviver melhor a estes momentos.


Como funciona

A economia do dom já se manifestou de diferentes formas em diferentes redes de comunidades. 
Vou tentar definir uma forma que acredito que funcione:

- Só é ofertado excedentes. 
Não se liga a sobrevivência da comunidade a esse sistema econômico e se usa para a sobrevivência preferencialmente a autossustentabilidade.

- Não se defini contrapartidas.
Não se defini que tal retribuição deva vir de uma só vez, deva buscar ser maior ou igual ao que foi dado, que a retribuição deva vir num determinado período de tempo ou determinado momento.
No decorrer do jogo econômico o que vai ocorrer é que parceiros que melhor retribuem serão os que receberão melhores doações. Mas a solidariedade estará presente pois ampliar os parceiros aumenta a chance de receber mais futuramente.
Percebam que é uma economia associada à abundancia, enquanto a economia capitalista está associada à escassez.

- Se doa para pessoas ou comunidades conhecidas
Esse sistema não combina com o anonimato. Ele está ligado com relações de fidelidade. Se estamos doando para desconhecidos estamos fazendo caridade.

- Se escolhe bem as ofertas
Busca-se doar coisas uteis para o parceiro. Se descobre que itens o parceiro considera que merecem retribuição e os que ele julga 'fracos' demais para que ele sinta vontade de retribuir. 

- Se aceita um não.
Em muitos casos é mal visto recusar um presente, mas creio que devemos buscar relações suficientemente francas para que a recusa não seja mal vista. 

- Diplomacia
No inicio de uma relação é preciso mais cuidado para que a oferta não seja vista como ofensa ou não provoque problemas para quem recebe. Por exemplo doar um lote de sabonetes pode ser visto como uma forma de chamar um povo de sujo. Doar alimentos de ser visto como chamar de morto de fome ou de pobretão. 
Doar carne para uma comunidade vegetariana seria quase como uma declaração de guerra. Uma comunidade  doa comida muito temperada para outra que usa temperos suaves e temos um monte de comida no lixo ou varias pessoas doentes.
É preciso ter uma ideia de como esse presente será recebido, e isso envolve a questão que já coloquei de se conhecer o outro.
É óbvio que precisamos de uma certa tolerância e clareza para que as relações funcionem.

- Presentes prontos para uso
Não é bom doar bambus cortados para uma comunidade que não tem essa planta pois processar essa matéria prima exige ferramentas e técnicas específicas, e assim a comunidade desenvolveria uma dependência. Doem então os moveis ou objetos de bambu prontos para uso. Não se doa problemas, se doa soluções.

- Consciência de que não dará certo sempre
É curioso como as pessoas tratam os sistemas econômicos alternativos:
Se testam a economia do dom e não obtêm o resultado esperado dizem que o sistema não funciona. Se compram um produto que estraga rápido, dizem que o fabricante é ruim. Podem fazer várias trocas capitalistas frustrantes sem culpar o sistema e basta uma experiência ruim num sistema alternativo para culpar o sistema.
Temos que entender que nem tudo dá certo sempre e mesmo assim funciona.
Existem vários motivos que podem levar as trocas na economia do dom a falharem, como ocorre em qualquer sistema econômico. Na medida em que aprendemos um 'jogo' econômico mais raro se tornam os fracassos.
Como proponho aqui não usar para itens de sobrevivência, a economia do dom não vai extinguir uma comunidade, mas pelo contrário, pode salvá-la.


Possíveis motivos para fracassos

- A oferta foi desvalorizada
Eu vivo numa região onde é fácil produzir laranjas. Se eu oferto laranjas para um vizinho é bem provável que essa oferta seja considerada irrelevante e não produza o desejo de retribuir.
Dar algo que já possuíam, dar algo que não se encaixa por algum motivo às necessidades do outro pode fazer a oferta ser desvalorizada.
As soluções são: conhecer melhor o parceiro, fazer novas ofertas ou ampliar a raridade dos bens ofertados.
Mas é bem provável que algum presente seja menosprezado em algum momento de qualquer maneira. 

- A oferta foi ofensiva
Na medida em que temos um contraste cultural maior com nosso parceiro, maior é a chance de fazermos uma oferta que causa indignação ou repulsa.
Quem faz a oferta precisa entender que cometeu um erro que precisa ser remediado. 
Como possíveis soluções coloco a diplomacia e realizar uma nova oferta, adequando-se melhor às necessidades do parceiro.

- Expectativas frustradas
Muitas expectativas podem se criar: 
- Um parceiro vai continuar mantendo as ofertas que esta realizando.
- Um parceiro vai dar uma grande retribuição já que recebeu uma grande oferta.
O erro aqui está na expectativa.
Alguém poderia dizer que isso mostra como o sistema não é digno de confiança e os outros são melhores. Mas entendam que quanto mais confiamos num sistema mais nos tornamos vulneráveis às suas falhas. 

- As ofertas ameaçaram a sobrevivência
Acho difícil de imaginar isso acontecendo no mundo ocidental, tão ligado a realidade material, consumismo, egoísmo.
Mas por algum motivo, foi doado muito e não houve um retorno que compensasse isso.
Não resta muito a fazer além de pedir ajuda.
Toda a comunidade duradoura tende a passar algum momento de crise econômica independente do sistemas que utilize. E diante desta ameaça é melhor estar num sistema mais solidário.

- O parceiro não sabe como retribuir
O parceiro pode ficar com receio de a retribuição ser insignificante diante da oferta. Pode achar que a outra comunidade é rica demais para que qualquer retribuição seja significativa.
Acho que isso é errado, não precisa ser retribuído de uma só vez, não há um prazo para a retribuição, podemos conhecer melhor o parceiro. Não há comunidade que seja tão rica a ponto de não se surpreender com algum presente que receba.
Quem está na posição de receber a retribuição não tem muito a fazer neste caso. A única medida valida que imagino é realizar uma nova oferta, visando excluir outras justificativas para não estar havendo retribuição.


Boas maneiras

Em primeiro lugar, nunca cobre uma contrapartida. Nem insinue que sua comunidade está esperando uma retribuição. Está é a maior gafe possível. Nem mesmo faça isso se sua comunidade esteja numa situação crítica. Claro que podem pedir ajuda e até devem fazer isso se não são capazes de resolver com meios próprios. Mas não coloquem tal ajuda como se fosse uma obrigação. Não importa o quanto vocês já doaram para a outra comunidade.

Cuidado para não ofender o outro com o seu presente. Busque conhecer o outro e se tiver dúvidas não arisque.

Aceite as recusas de presentes com naturalidade. Pode ocorrer do outro recusar por sentir constrangimento em aceitar o presente instantaneamente. É preciso ter habilidade para distinguir se a recursa é séria ou não.

Retribua os presentes que recebe. Pode parecer bem difícil retribuir ainda mais que o sistema mais comum de economia do dom não dá muito espaço para recusas, e assim fica mais difícil de saber se a contrapartida agradou. Mas faça um esforço e garanta a alegria daqueles que te fizeram bem.    


Conclusão

A economia da dádiva é extremamente poderosa. O capitalismo lembra para mim um casino, onde um jogador ganha, muitos perdem, mais a banca é que sempre se dá bem. No sistema que proponho aqui não há espaço para a 'banca'. Todos os jogadores podem ganhar pois simplesmente não estão disputando a mesma coisa. Isso empodera as pessoas e comunidades e portanto não esperem que os donos do casino divulguem este sistema.

Brinquem com este jogo.

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